sábado, 22 de maio de 2010

Fala, Memória: Carago, o asfalto branco da minha meninice

*Evaldo Alves de Oliveira

AREIA BRANCA NAS ANTIGAS Talvez a juventude atual nem conheça esse termo, mas em Areia Branca era chic ter a rua calçada com carago. Subproduto do sal, porém sem qualquer sabor, a não ser o de uma pedra, esse tipo de calçamento antecedeu o paralelepípedo e, obviamente, o asfalto.

As ruas, após o revestimento com esse produto, ficavam com aparência de asfalto, porém de cor cinza claro, quase branco, e com um clima melhor, mais fresco. E a meninada, passeando de bicicleta ou em suas brincadeiras, sempre dava preferência aos logradouros revestidos com carago.

À noite, grupos de crianças eram formados aqui e ali, a correr, gritar e se esconder, em suas brincadeiras hoje quase esquecidas. As cantigas de roda surgiam quase espontaneamente, e escravos de Jó jogavam caxangá, vira, bota, deixa o Zabelê passar, assim como a inesquecível lagarta pintada, quem foi que te pintou, foi a velhinha do tempo da areia, puxa lagarta na minha orelha.

Também eram comuns as estórias de fantasmas, contadas baixinho, todos com as cabeças juntas, para não perder uma frase sequer. Estórias de lobisomens, de bichos de sete cabeças, de almas penadas e bicho-papão; estórias de vozes ouvidas no meio da madrugada, quando o império da escuridão era desvirginado por elementos branquinhos, da cor de lençóis, que apareciam e sumiam. Uma certeza, apenas: eram fantasmas.

Adolescentes brincavam de passar o anel de mão em mão, com aquele final que todos conhecemos, e os namoros eram iniciados ali mesmo, nos olhares fugidios e nos escassos afagos. Pegar na mão era uma glória, e os encontros se sucediam noites após noites, até o grande dia de ir à casa da menina. Tinha que ter autorização dos pais.

Nas calçadas, os adultos e os idosos, em grupos, sentados em cadeiras ou em velhas espreguiçadeiras, punham a conversa em dia e falavam mal de qualquer coisa ou pessoa.

Os dicionários trazem apenas uma referência a essa palavra: é um substantivo depreciativo utilizado na Galícia, Espanha, lá onde fica Santiago de Compostela, mas, mesmo lá, não obtive sucesso em tentar uma tradução para essa estranha e rara palavra. O galego é, talvez, a língua que mais se assemelha ao português. Não sei explicar, mas o jota e o gê, na Galícia, são substituídos pelo xis. E eu ficava rindo com as placas nos prédios: Coléxio San Xerome, Bodega do Xulio, Recollida de Viaxeiros, Xoan XXIII…

Com sua magia extinta pelo progresso, o carago se enraizou em nossas mentes, e quando forçamos um pouco a memória, em uma viagem imaginária pelas ruas tranqüilas de nossa cidade, logo surge a imagem do nosso asfalto branco, que reluzia aos raios do sol, parecendo pequenos brilhantes espalhados pelo chão, outrora pisado por raríssimos carros e transeuntes felizes, a caminho do trabalho ou simplesmente de passagem para as compras no velho Mercado Público.

(*) Evaldo Alves de Oliveira, médico e escritor

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Jornalista do jornal O Mossoroense, redator do noticiário matinal “Costa Branca em Notícias”, da Rádio Costa Branca – FM 104,3 de Areia Branca (RN), onde aos domingos apresenta o programa de variedades “Domingão da 104”

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