domingo, 30 de maio de 2010

Fala, Memória: Rua da Frente, uma avenida de contradições

*Evaldo Alves de Oliveira

RUA DA FREENTE CORRIGIDA

Cortada pela margem direita do rio Mossoró, a Rua da Frente, com seu ar imponente de senhora da história, já ostentava, nos dias da minha meninice, ares altaneiros, como uma Esfinge, a se olhar no espelho d’água que todos os dias se oferece a sua frente, despudorado, fazendo de conta que não é rio, e brincando de se esconder no mar, eterno amante de hálito salitrado e cabelos revoltos com cheiro de maresia.

Pela manhã, o movimento de pessoas no Tirol era intenso. A pracinha, ao lado, funcionava como uma recepcionista de eventos, elegante, serena, solícita e bela. E o Tirol era assim, bonito, meio brejeiro, meio malandro, recebendo e despachando embarcações e passageiros, com seu charme de fiscal de estação de trem, com a água a bater em suas carcomidas costelas de ferro e concreto, no frenesi dos anos 1950.

A igreja de Areia Branca, sempre serena e de ar sério, também fica na Rua da Frente, fitando o outro lado do rio, abençoando em silêncio povos de todas as águas, de todas as areias, de todos os manguezais.

À frente, altaneira, sempre impondo sua dignidade, está a Rampa, intermediando o movimento de embarcações, veículos e pessoas, sendo diuturnamente banhada pelas águas do rio e visitada pelo mar, que se infiltra no rio e, sorrateiramente, beija seus pés e vai embora. Ainda é ali que as canoas – tendo a manobrá-las os senhores dos rios – chegam e saem, num frenesi de conversas e odores que se atropelam em seu costado. Era na Rampa que ancoravam os barcos dos beijus, com seu cheiro de mato e de frutas silvestres. Abasteciam a cidade com manga, banana, melancia, melão, coco, pequenos animais, beiju, ovos, mel de engenho e rapadura. A chegada dos barcos era uma festa para a meninada.  

O Botequim da Bosta, equipamento comunitário nunca citado nos discursos e redações, foi o primeiro mictório público da cidade, e ficava na Rua da Frente, na beira do cais, em frente à bodega de seu Isídio. Era sujo, de cheiro forte, e utilizado pelos trabalhadores das embarcações e por toda uma fauna humana que circulava pela Rua da Frente.

A Usina de Luz era outro bem comunitário que valorizava a Rua da Frente, com seu ronco grave e seu fumaceiro escuro e fedorento. Batia ponto às dez da manhã e às dez da noite, tal qual empregado de shopping.

A maior parte do comércio de Areia Branca ficava na Rua da Frente. Eram lojas de tecidos (seu Quincó e Jales), bodegas (Zé Silvino, Antonio Calazans, Chico Lino, Antonio Noronha, Zé Leonel, seu Josa, Valdemiro, seu Isídio, seu Quidoca), padaria (seu Lalá), barbearia, bares e residências. Muita gente morava ali, inclusive eu.

Porém o mais típico da Rua da Frente eram suas figuras humanas. Marcaram época pessoas como Casca de Ovo, Fernando, Mundico, Esgalamido, Macaco.

A Rua da Frente, apesar de ostentar todos esses elementos arquitetônicos, e de sua exclusiva fauna humana, tinha um ar de nostalgia, uma quase tristeza, feito donzela abandonada, talvez pela indiferença e o descaso das autoridades, que não cuidavam de sua Esfinge. Crianças de outras ruas quase não se dirigiam à Rua da Frente, exceto quando em companhia dos pais. Não era chic. Exceto lá para os lados do Tirol.

Hoje a Rua da Frente tem um bom calçamento, um bonito cais e a elegância discreta de uma princesa. O principado? A própria deusa das salinas (Areia Branca).

(*) Evaldo Alves de Oliveira, areia-branquense. Médico e escritor.

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Jornalista do jornal O Mossoroense, redator do noticiário matinal “Costa Branca em Notícias”, da Rádio Costa Branca – FM 104,3 de Areia Branca (RN), onde aos domingos apresenta o programa de variedades “Domingão da 104”

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